segunda-feira, 20 de outubro de 2003

Jornalismo moderno

Que há bom e mau jornalismo, toda a gente sabe.

Sou um leitor assíduo da Time desde há uns dois anos. Na euforia posterior ao 11 de Setembro, recordo-me que me revoltava a extrema parcialidade dos jornalistas relativamente às medidas de política externa da Administração Bush. Os artigos de um comentador em particular, Michael Elliot, por sinal um dos mais importantes comentadores assíduos da revista, roçavam por vezes o extremo do mau gosto. Naqueles tempos, tudo era permitido à América ferida.

Também a selecção de cartas dos leitores que constitui a primeira parte da revista sempre me pareceu constituir uma forma subtil de moldar a opinião pública. A postura frequentemente anti-europeia também sempre me irritou, sobretudo porque a edição que me chega às mãos é a edição europeia.

Habituei-me que poderia encontrar bom e mau jornalismo na Time, se bem que comecei a achar que o mau jornalismo estava a ganhar pontos naquela revista.

Recentemente, com o desaparecimento misterioso das "armas de destruição maçiça" no Iraque, notei na Time uma lenta mas decidida mudança de equipa. Bush começou a aparecer nas capas ou nos artigos de política internacional como um homem em apuros. Começaram a surgir as primeiras críticas vindas dos comentadores da praxe. Enfim, o "volte-face" estava consumado...

Tudo isto me fez ver que aquela revista, que antes de conhecer de perto eu respeitava, afinal poderia conter jornalismo do mais grosseiro e da mais baixa qualidade, nas linhas do nosso "Tal e Qual", do "24 Horas" ou de outras pérolas do nosso jornalismo. Lá por ser "estrangeira", e a nós tanto nos deslumbra o que é estrangeiro, a revista Time poderia também como tantas outras, "chafurdar no lodo" se me é permitida a expressão.

Por isso, devo admitir, não me surpreendeu ver Bragança transformada na "red light district" europeia, segundo a Time. Não contesto a veracidade dos factos, nem a vergonha que se abateu sobre Bragança (merecerá o relevo de caso "exemplar" europeu que lhe foi dado?), mas simplesmente parece-me demais para a capa da Time europeia. Todos os países têm telhados de vidro, e não vou sequer entrar em polémicas face às medidas tomadas, talvez despropositadamente, pelo Estado no que diz respeito à revista Time e aos anúncios ao Euro 2004.
Li o artigo da Time, e só acho que se trata de uma patética lição de mau jornalismo. Mais nada...

Mas porquê ir buscar esta notícia antiga?
Porque vem a propósito de mais uma pérola jornalística, desta vez do El País, pela caneta do jornalista Luis Gómez: "Portugal, en quiebra política y social".

Aqui fica um excerto para quem não leu:

"En medio de los incendios que devastaban el país, un viaducto cercano a Lisboa se derrumbó este verano y pudo haber causado un gran desastre cuando dos días antes había recibido el visto bueno de los inspectores. El incidente fue interpretado como otro síntoma de que el Estado no funciona, de que la crisis es algo más profunda en Portugal. La sensación de declive ha ido en aumento desde entonces. La euforia de 1998 ha dado paso a una pesadilla, repleta de malos augurios."

Vamos dizer o mesmo em relação ao metro descarrilado em Londres neste fim-de-semana? Que é um mau augúrio para o trabalho dos inspectores ferroviários britânicos?
Vamos lembrar ao senhor Luis Gómez que a Galiza está banhada pelo crude há largos meses, naquele que é talvez o pior desastre ecológico ibérico de sempre?

Francamente, "una pesadilla" é este artigo pobre e cheio de alarmismo e sensacionalismo.

"El colegio de los horrores" é como Luis Gómez chama à Casa Pia:

"Los casos de pederastia en la Casa Pía, la institución educativa más prestigiosa de Portugal, hipotecan la agenda política del país (...)"

Ficamos, pois, a saber que a Casa Pia é a instituição educativa mais prestigiosa de Portugal. Bravo!
De facto, quem ler este artigo do El País fica com uma esplêndida, e mui precisa, ideia de Portugal e do seu estado actual.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra...

Bernardo

Sem comentários: