domingo, 4 de janeiro de 2004

A "linhagem" de Jesus

Deu hoje no Canal História um documentário, que suponho seja já antigo e repetido, sobre a eterna especulação em torno das hipóteses fantasiosas de uma descendência humana de Jesus.

Pergunto-me quantos foram os espectadores, sentados no conforto de suas casas, que se deram conta do fraquíssimo conteúdo histórico deste documentário? Não terá o Canal História como objectivo a divulgação da (verdadeira) História?

Todo o documentário gira à volta de expressões como "diz-se que..." ou "pensa-se que...". Mas quem diz? Quem pensa?

Ao que parece, ninguém "pensa" neste documentário, visto estar cheio de falsidades.

Eis apenas algumas:

Jesus casou com Maria Madalena e teve descendência. Esta descendência, a chamada "linhagem sagrada", veio dar origem à primeira dinastia da actual França, os Merovíngios. Os cavaleiros Templários, eternamente arrastados para todo o tipo de especulações pseudo-esotéricas, teriam como principal função a "protecção da linhagem".
Os erros grosseiros do documentário são tantos que demoriaria muito mais tempo a corrigi-los que deu a cometê-los.
Godofredo de Bulhão, campeão da Cruzada que tomou Jerusalém em 1099, surge como figura de proa na tomada de Jerusalém, segundo o documentário, porque "era da linhagem de Jesus".

Claro que a Igreja Católica, o eterno inimigo, quando ataca os hereges cátaros no século XIII está, segundo o documentário, a atacar a "linhagem", verdadeira ameaça para o poder católico instituido.

Chega-se ao ponto de sugerir que o trovador germânico Wolfram von Eschenbach (séc. XIII), no seu Parzival, aludia à "linhagem sagrada" quando falava nos cavaleiros do Graal.

Numa deturpação abusiva, "santo graal" passa a "sangraal" ou seja "sang raal". Daqui, salta-se para "sang real".
Assim, o Graal seria o "sangue real" de Jesus, a sua dinastia perpetuada secretamente através de 2.000 anos de História. E o inimigo desta dinastia seria, claro, a Igreja Católica, usurpadora do poder que pertenceria por direito a esta "linhagem sagrada". Como não ver nestas teorias, para além do interesse económico de editoras e canais televisivos sem escrúpulos, uma agenda anti-católica clara e evidente? Baseada na ignorância generalizada da opinião pública em relação a estes assuntos?

Tudo isto transpira, é claro, às fantasias modernas do Prieuré de Sion e da mitologia moderna de Rennes-le-Château. Todo o suporte pseudo-histórico deste documentário foi inventado há menos de 50 anos atrás.

Fica aqui o aviso: cuidado com a péssima qualidade dos documentários do Canal História. Pergunto-me que objectivos terá o Canal História para permitir que material de tão má qualidade e tão tendencioso possa ter direito a aparecer num Domingo à tarde, como documentário para toda a família assistir...

Enfim, já quase não há nada no cenário audiovisual moderno em que se possa verdadeiramente confiar e que esteja isento de "agendas"...

Bernardo

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