terça-feira, 4 de janeiro de 2005

Arturo Reghini e o Progresso

(publicado em simultâneo no Afixe)

Este texto é endereçado aos nossos leitores que se interessam pela Maçonaria, e pelos temas iniciáticos.
Há uns tempos, tive a sorte de tropeçar num livro de Arturo Reghini, editado pela Hugin em 2002 (e que boa ideia), intitulado "Escritos sobre a Maçonaria".

Esta pequena obra reúne artigos que Reghini escreveu para várias revistas italianas da especialidade. A meu ver, Reghini foi uma daquelas raras mentes lúcidas a conseguir conjugar erudição maçónica com uma integridade e coerência de ideias.

O meu interesse por Reghini foi despertado pela leitura deste conjunto de cartas escritas por Guénon ao maçon italiano, que a Symbolos disponibilizou online aqui.

Gostaria de escrever sobre tantos e tantos aspectos interessantes levantados pela leitura da prosa de Reghini, mas tendo que escolher um, eu começaria por extrair, do capítulo III ("As bases espirituais da Maçonaria", pág. 48), o seguinte, a propósito da nefasta infiltração do conceito moderno de "progresso" nos ideais maçónicos:

"Notamos, «en passant», que esta crença no progresso, muito profana e não contemplada nas Constituições de Anderson nem nos antigos Landmarks, se radicou curiosamente em certas Maçonarias, acostumadas a pedir luz ao mundo profano, ao invés de à sabedoria iniciática. Já nas Constituições do Grande Oriente de França, de 1849, a Maçonaria é definida como uma instituição filantrópica, filosófica e progressista que tem como base a existência de Deus e a imortalidade da alma. Como é sabido, justamente pela fé no progresso e nas conquistas do livre pensamento e da ciência profana é que os Franco-Maçons franceses atiraram ao mar, com maioria de votos, o Grande Arquitecto do Universo e a imortalidade da alma, para ficarrem arreigados ao não louvado fetiche do progresso; e na conferência de Genebra de 1921, na qual participaram sete ou oito Potências simbólicas, entre as quais os dois Grandes Orientes irregulares de França e de Itália (Pallazzo Giustiniani), foi proclamada e subscrita uma declaração de princípios que define a Maçonaria como instituição filosófica, humanitária, progressista. A declaração depois especifica que se preocupa com o progresso social, porque a Maçonaria honra igualmente o trabalho intectual e o manual, etc., etc..
Estes Franco-Maçons, como autênticos Livres Pensadores, sentir-se-iam mal dos intestinos se tivessem de renunciar a esta crença no progresso. E a ideia que formaram consolida-se, granítica, imutável, estacionária, incapaz do mínimo... progresso!"

(publicado na revista Rassegna Massonica, em 1923)

Agora, alguns esclarecimentos...
A dureza da linguagem de Reghini não deve iludir o leitor sério, que encontrará nesta obra inúmeros e vitais ensinamentos sobre a Maçonaria genuína, essa espécie tão rara que quase se pode declarar em extinção. Reghini não era um mangiapreti, ou seja, um "papa-padres", como tantos outros maçons do seu tempo.

Claro está que, sendo católico, este meu texto pode parecer estranhíssimo e desadequado. Explico porque não é: gosto bastante das temáticas maçónicas, acho o simbolismo maçónico muito rico e profundo, e apesar de não ser maçon, nem pensar vir a ser (sendo católico, está-me vedado), detesto a ligeireza com que se ataca hoje em dia o conceito de Maçonaria, triste sinal de uma tremenda falta de conhecimento sobre o tema (que a obra de Reghini pode ajudar a corrigir, nas pessoas bem intencionadas e verdadeiramente interessadas) bem como detesto a corja de falsos maçons que enchem hoje em dia a esmagadora maioria das lojas, corja essa à qual Reghini (com a competência que eu não tenho) alude, com grande e justa precisão de vocabulário.

Para terminar, escolhi este excerto porque evidencia outro dos meios intelectuais que foram infestados por esta moderna crença no progresso: o meio iniciático da Maçonaria.

A crença no progresso entrou basicamente em todo o lado. Parece ser o resultado, no domínio sociológico, de um casamento estranho das teorias evolucionistas emanadas das ciências naturais com um milenarismo apocalíptico decadente e confuso (este "casamento" parece despropositado, mas o historiador Jean Delumeau fornece pistas mais que suficientes no seu livro "Mil Anos de Felicidade"). Esta crença no progresso é uma virose alojada, e que dificilmente sai, apesar de termos acesso todos os dias a sinais mais que evidentes de que tal progresso não existe. Só para dar um exemplo: no século que se seguiu à invenção das ideias progressistas, o mundo assistiu a duas grandes guerras mundiais...

Parece-me justo afirmar que a Maçonaria tem como fim, nas mentes dos seus membros mais sinceros e honestos, o aperfeiçoamento do maçon como ser humano. Do que li de Reghini não devo estar equivocado na definição, pelo menos na essência. Esse aperfeiçoamento individual (escrevi individual e não solitário, porque o maçon trabalha na Loja com os restantes irmãos), com o passar dos tempos e a infiltração de ideais jacobinos (e tantas vezes anti-católicos), passou a ser confundido com o professar de uma crença no progresso imparável da Humanidade! E Reghini encontra, tão cedo como em 1849, indícios desta infiltração!

Na História da Humanidade encontramos progressos e retrocessos, numas áreas e noutras. Haverá bases suficientes para se poder afirmar, em rigor, que a Humanidade progride sempre, sem parar?
Faz sentido, a crença moderna no progresso?
Não servirá esta ideia gratuita do progresso absoluto uma arma de arremesso do laicismo materialista (agora dominante) contra a intelectualidade do passado (considerada "caduca" ou "primitiva", ou ainda "antiquada")?

E não é curioso notar que os visados por esta infiltração de ideias (dir-se-ia eufemisticamente, por esta "mudança de paradigma") foram, não só as religiões organizadas como também organizações iniciáticas como a Maçonaria, onde podemos notar a presença infestante e destruidora destes ideais jacobinos?

Aqui fica a ideia para que se medite sobre ela...

Bernardo

1 comentário:

sooslolsentemdem disse...

meu sobrenome é reghini .-