segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

A rampa inclinada do colapso ético

Em 1948, foi definido o Juramento do Médico (World Medical Association), e rezava assim, tendo vigorado até 1968:

«Physician's Oath
At the time of being admitted as a member of the medical profession:

I solemnly pledge myself to consecrate my life to the service of humanity;
I will give to my teachers the respect and gratitude which is their due;
I will practice my profession with conscience and dignity; the health of my patient will be my first consideration;
I will respect the secrets which are confided in me; even after the patient has died ;
I will maintain by all the means in my power, the honor and the noble traditions of the medical profession; my colleagues will be my brothers;
I will not permit considerations of religion, nationality, race, party politics or social standing to intervene between my duty and my patient;
I will maintain the utmost respect for human life from the time of conception, even under threat, I will not use my medical knowledge contrary to the laws of humanity;
I make these promises solemnly, freely and upon my honor.»
(negrito meu)

Este juramento colocava forte ênfase na protecção da vida humana intra-uterina desde a concepção. A razão era simples: os horrores do nazismo e do estalinismo, que incluiam a prática livre do aborto em grande escala, tinham chocado a Humanidade de então, fragilizada pelas misérias da Segunda Guerra Mundial. Hoje, a prática do aborto livre já não choca. O que choca é criticá-lo. Mas, em 1948, considerou-se essa frase do juramento relativa à vida humana intra-uterina como sendo essencial matéria de direitos humanos. Note-se que o texto do Juramento do Médico foi estabelecido pela World Medical Association, e não pela Santa Sé!

Alteração de 1983, onde se lia:
"…respect for human life from the time of conception"

passou a ler-se:
"…respect for human life from its beginning"

Já era forte, nestes tempos, a pressão do mediático caso norte-americano Roe vs. Wade (1973), que inaugurou a era do aborto livre e legal no "moderno" mundo ocidental ...
Neste ano de 1983, com esta discreta alteração, começava a derrapagem ética da WMA em matéria de direito à vida intra-uterina...

Alteração de Maio de 2005, onde se lia:
"…respect for human life from its beginning"

passou a ler-se:
"…respect for human life"

E pronto!
A alteração de 1983 apenas significava uma cobardia terminológica (usar o termo mais vago, "beginning", era mais seguro e gerava menos "ondas" do que falar em "conception"). Mas a alteração de Maio de 2005 é bastante mais reveladora. Porque razão se suprimiu a expressão "from its beginning"? É que, cientificamente falando, qualquer manual de Medicina estabelece, hoje em dia, que o início da vida humana está na fertilização, no rápido processo biológico que culmina no zigoto. Ora, mantendo a palavra "beginning", mesmo sendo algo mais vago que o termo original, continuava a obrigar os médicos, deontologicamente, a não praticar abortos a pedido. E isso era mal visto pelos crescentes e poderosos movimentos pró-escolha.
Daí que a expressão "from its beginning" tivesse um tempo de vida limitado, acabando por cair de vez. Há que manter as consciências dos médicos abortófilos bem limpinhas! Quando a "chatice" fosse removida do Juramento, como foi finalmente em Maio de 2005, os médicos que matam já poderiam ficar mais descansados, evitando ser vistos como perjuros pelos seus pares.
Em breve, é previsível que a Ordem dos Médicos em Portugal venha a decidir a alteração ao código deontológico. É que, dizem alguns, "não faz sentido" manter proibições deontológicas como as do aborto a pedido, quando tal comportamento está em vias de se tornar legal. Pois sim...
O Código Deontológico dos médicos é um documento ético e disciplinar, não é?
Por isso, fará todo o sentido, nas curtas cabecitas desta gente, que a Ética "evolua" ao sabor das ideologias políticas e das guerras culturais do Governo actualmente em maioria... O que era errado antes de 11 de Fevereiro, ou seja, matar fetos, passa agora a ser certo. Bela ética!
Afinal, se os "estrangeiros" da WMA já o fizeram, se a OMS gosta do aborto livre, se o Parlamento Europeu já o promove (1), do que é que a Ordem dos Médicos está à espera?


(1) Jornal Oficial nº C 271 E de 12/11/2003 p. 0369 – 0374, em http://eur-lex.europa.eu

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