quarta-feira, 13 de junho de 2007

Filosofia para a sala de aula

Naquela típica forma sua de usar palavras e conceitos simples para nos ensinar coisas profundas, G. K. Chesterton (1874-1936) fala-nos deste modo, num texto intitulado Philosophy for the schoolroom, acerca dos rudimentos do pensmento humano, coisas tão elementares que seriam passíveis de serem ensinadas nas salas de aula desde a tenra idade:

"Every argument begins with an infallible dogma, and that infallible dogma can only be disputed by falling back on some other infallible dogma; you can never prove your first statement or it would not be your first. All this is the alphabet of thinking. And it has this special and positive point about it, that it can be taught in a school, like the other alphabet. Not to start an argument without stating your postulates could be taught in philosophy as it is taught in Euclid, in a common schoolroom with a blackboard. And I think it might be taught in some simple and rational degree even to the young, before they go out into the streets and are delivered over entirely to the logic and philosophy of the Daily Mail."

Ou seja, não é possível raciocinar nem expor um raciocínio sem considerar primeiro qual é o nosso ponto de partida: qual ou quais os pressupostos que não pretendemos demonstrar. O raciocínio, movimento intelectual que está na base no pensar humano, é um movimento que necessita obrigatoriamente de ter o seu ponto de partida bem definido.
Se duvidamos dos nossos pressupostos, se os queremos esmiuçar um pouco mais antes de passar adiante no raciocínio, então temos que recuar um pouco. Mas este recuo obriga a passar a um novo quadro demonstrativo, com novos pressupostos, em princípio mais elementares que os iniciais.
Não se foge a isto: um raciocínio tem que ter sempre pressupostos, e esta noção básica deveria ser ensinada nos bancos das escolas. As crianças, antes de se dirigirem a alguém para justificar ou argumentar o que quer que seja, deveriam estar habituadas a dizer ao seu interlocutor qual é, ou quais são, os seus pressupostos.

Segundo Chesterton, esta anomalia intelectual, esta atrofia que nos faz esquecer a necessidade de fixar pressupostos, está presente ad nauseam, no espírito céptico:

"Much of our chaos about religion and doubt arises from this--that our modern sceptics always begin by telling us what they do not believe. But even in a sceptic we want to know first what he does believe. Before arguing, we want to know what we need not argue about. And this confusion is infinitely increased by the fact that all the sceptics of our time are sceptics at different degrees of the dissolution of scepticism."

Como dialogar intelectualmente com pessoas que se esqueceram da necessidade de fixar postulados, de explicitar os seus pressupostos? É certo que há cépticos e cépticos. Será impossível dialogar com um céptico fanático, que não consiga fixar um só pressuposto. Como dialogar com alguém assim?
Mas mesmo o céptico moderado deve habituar-se a fixar os seus pressupostos: a dizer em que é que acredita. Quais os seus "dogmas"? Quais os pressuspostos dos quais não duvida e que não pretende demonstrar? Quais os seus axiomas?

De seguida, Chesterton ataca o típico sofisma céptico, que consiste em afirmar que a religião está apoiada no indemonstrável. Chesterton explica que qualquer homem intelectualmente são tem que acreditar num punhado de ideias indemonstráveis, sob pena de cair em insanidade mental.

"All sane men, I say, believe firmly and unalterably in a certain number of things which are unproved and unprovable. Let us state them roughly.

(1) Every sane man believes that the world around him and the people in it are real, and not his own delusion or dream. No man starts burning London in the belief that his servant will soon wake him for breakfast. But that I, at any given moment, am not in a dream, is unproved and unprovable. That anything exists except myself is unproved and unprovable.

(2) All sane men believe that this world not only exists, but matters. Every man believes there is a sort of obligation on us to interest ourselves in this vision or panorama of life. He would think a man wrong who said, "I did not ask for this farce and it bores me. I am aware that an old lady is being murdered down-stairs, but I am going to sleep." That there is any such duty to improve the things we did not make is a thing unproved and unprovable.

(3) All sane men believe that there is such a thing as a self, or ego, which is continuous. There is no inch of my brain matter the same as it was ten years ago. But if I have saved a man in battle ten years ago, I am proud; if I have run away, I am ashamed. That there is such a paramount "I" is unproved and unprovable. But it is more than unproved and unprovable; it is definitely disputed by many metaphysicians.
(4) Lastly, most sane men believe, and all sane men in practice assume, that they have a power of choice and responsibility for action."


Seria interessante que Chesterton estivesse vivo para poder dar aulas a alguns loucos insensatos, como o fanático e maníaco Richard Dawkins, autor do recente best-seller The God Delusion, uma obra anti-científica (porque viciada pela campanha pessoal anti-religião do seu autor) que só poderia ser popular nestes nossos tristes tempos (1)...

O ponto de partida do crente cristão está assente num punhado de pressupostos elementares, estabelecidos com base na confiança entre seres humanos:

1. Jesus Cristo viveu sobre a Terra e transmitiu o seu ensinamento a várias pessoas;
2. Essas pessoas cristalizaram fielmente esse ensinamento nas Sagradas Escrituras;
3. Algumas dessas pessoas que o conheceram edificaram uma organização, chamada Igreja Católica, para perpetuar o ensinamento de Cristo.

É certo que o crente interessado pode ainda esmiuçar estes postulados, pode recuar atrás no raciocínio e procurar demonstrar os pressupostos 1, 2 e 3. Mas terá sempre que assumir novos pressupostos. Terá sempre que ter "fé", que aceitar como indiscutível ou não provado, qualquer coisa de axiomático localizada mais atrás no pensamento. O mesmo fará o cientista no seu trabalho demonstrativo de uma determinada realidade ou fenómeno natural.

É este tipo de bom senso do crente, este tipo de sensatez pística, que convinha explicar e fazer entender a um histérico como Dawkins, que além de ser invencivelmente ignorante em matéria de religião, não está habituado a ver o crente como um ser humano perfeitamente normal, capaz de pensar e de raciocinar de forma elementar, como qualquer outro ser humano. E capaz, como qualquer cientista, de basear as suas convicções em pressupostos que não demonstra.

(1) O maior problema de Dakwins, e este seu livro é o melhor exemplo disto mesmo, é a fraca preparação filosófica e teológica de Dawkins. Vale a pena ler a crítica que é feita a este livro pelo filósofo Alvin Plantinga, um dos actuais investigadores e estudiosos no campo filosófico dos argumentos ontológicos.

Sem comentários: