segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Milagres e a ciência empírica

Recentemente, o Ludwig escreveu:

«Ora eu não sou ateu por princípio. Sou ateu em consequência da forma como avalio qualquer hipótese, comparando-a com as alternativas e optando por aquela que melhor corresponde à informação que tenho. É isto que me faz rejeitar o deus cristão, por exemplo. Omnipotente e omnisciente, pode fazer qualquer coisa que julguemos impossível, refutando toda a ciência moderna. É contraditório, pois sabe de certeza o que vai fazer amanhã mas pode fazer o contrário. E não há vestígio dele.»

É espantoso! Como (quase) sempre, estamos a falar de conceitos diferentes.
É como eu dizer "Eu acredito no Manuel!", e o Ludwig responder "Não, o João não pode existir. Eu não acredito no João!".

Se Deus fosse como o "deus-à-Ludwig", eu não era crente. Mas, felizmente, o conceito que Ludwig usa para Deus não é o do Deus verdadeiro. É uma ideia errada de Deus.

Vamos por partes:

1. Deus é um ente metafísico: por definição, ele é O ENTE SUPREMO metafísico;

2. O possível metafísico é o real, ou seja, tudo o que é metafisicamente possível é real; o irreal não é rigorosamente nada, idem para o impossível; ou seja, não existem coisas impossíveis nem irreais, nem no mundo físico nem no metafísico;

3. Deus, não deixando de ser omnipotente, não faz o impossível, porque Deus não se ocupa a fazer o nada; o nada não foi feito, não vai ser feito, e não tem que ser feito: não existe;

4. Deus não é contraditório, nem pode ser contraditório, nem nada de contraditório tem existência real;

Argumentar que os pontos 2, 3 e 4 são limitações ao epíteto de "omnipotente" que se atribui a Deus, é insensato: Deus não é limitado de forma alguma por questões rigorosamente nulas. O "0" não limita a Possibilidade.

Deste modo, Ludwig está a negar um outro deus qualquer, o tal "deus-à-Ludwig", porque está na posse de uma definição metafisicamente incorrecta de Deus. Logo, está a falhar o alvo.

O Deus no qual acredito, o verdadeiro Deus, o Deus Criador de tudo o que existe, não viola o possível, não tem apetências pelo impossível, não é contraditório, nem ilógico (a violação das leis da lógica é um erro, e o erro é um puro nada, em termos ontológicos). Seria interessante evocar a palestra recente de Bento XVI em Regensburgo, na Alemanha. Curiosamente, o Papa referiu nessa palestra precisamente a questão que nos ocupa agora: será Deus compatível com violações à razão? Certamente que não, e o erro que mina a ideia que Ludwig faz de Deus não anda longe das confusões medievais de um Duns Escoto.

Ora, a imediata objecção que a confusa mente moderna levanta a esta exposição é: "e como justificar os milagres nos quais os crentes acreditam?".

Deus, ao contrário do que pretende o Ludwig, não refuta "toda a ciência moderna". Até podemos dizer, com toda a segurança, que Deus não refuta nem viola qualquer lei física.

Pegando num exemplo: os corpos físicos mais densos que a água não pairam sobre ela, logo é impossível um ser humano andar sobre a água. Logo, pela lógica ludwiguiana, Cristo não teria andado sobre a água.

Mas Cristo-Deus, o Deus incarnado num corpo humano, não é apenas um corpo físico. Cristo, como Ser metafísico supremo, é Senhor de tudo, inclusive da matéria.

Logo, especulando, Ele pode manifestar-Se, momentaneamente, num corpo em tudo idêntico ao corpo de um homem, mas com uma densidade inferior à da água. Ou pode, localmente, alterar a densidade da água sob os Seus pés. Ou pode, localmente, alterar as forças electromagnéticas em seu redor, para poder flutuar sobre as águas. As possibilidades são imensas, conquanto se entenda que estamos a falar de um ser que não está limitado às regras e às potencialidades estritas dos seres físicos.

Também é útil explicar o que é um milagre: trata-se de um fenómeno inesperado (tem que ser fenomenoménico, ou seja, empiricamente detectável) e extraordinário, cuja causa é metafísica.

Há três tipos diferentes de milagres (ver um estudo completo aqui), que poderíamos chamar de:

a) milagres sobre-naturais: efeitos extraordinários que seriam impossíveis a quaisquer forças naturais (por exemplo, o ressuscitar de um morto)

b) milagres extra-naturais: efeitos extraordinários que seriam possíveis a forças naturais, mas que envolvem um processo radicalmente diferente, ou mais rápido ou mais eficiente ou mais profundo (por exemplo, a cura imediata de um doente)

c) milagres contra-naturais: efeitos extraordinários que são possíveis a forças naturais, mas que se manifestam contra a tendência normal da natureza (por exemplo, andar sobre as águas, voar ou estar no meio das chamas sem perigo)

O exemplo que demos, no qual Cristo anda sobre a superfície das águas sem se afundar, é do terceiro tipo. Ao fazê-lo, Cristo não viola quaisquer regras físicas. O efeito seria o mesmo se utilizássemos estruturas compressoras que aumentassem drasticamente a pressão num dado metro cúbico de água: com a necessária pressão, e eventualmente com alterações químicas que produzissem maiores tensões superficiais no líquido, um homem poderia andar sobre a superfície dessa água. A diferença é que Cristo, ao fazê-lo, valeu-se de causas sobrenaturais que provocaram localmente um efeito contra-natural (mas sem violar as leis da física), ou seja, contrário ao comportamento esperado deste líquido na natureza, quando não estão presentes causas sobrenaturais.

A interação entre objectos físicos rege-se por equilíbrios e desequilíbrios de forças. Um ser humano pode participar, ou influenciar, essa interacção provocando ele mesmo forças de equilíbrio ou de desequilíbrio. Tais perturbações são então as causas naturais para os fenómenos físicos quotidianos, ou ordinários, provocados voluntariamente pelo Homem. Contudo, é perfeitamente possível que determinadas perturbações em sistemas físicos de forças sejam causadas metafisicamente, pela vontade de agentes metafísicos. É disso que estamos a falar neste caso.

Um cientista católico pode admitir, em teoria, uma tese metafísica como a do referido milagre de Cristo, e ao mesmo tempo, estudar dinâmica de fluidos sem entrar em incoerência intelectual. E com a plena certeza de que o Deus que venera não viola leis físicas quando produz milagres, directamente, ou através de outros seres humanos.

Para terminar: é certo que a ausência de provas empíricas, úteis para o método científico, de que tais fenómenos acontecem (de que Cristo andou sobre as águas) não nos permite ter a certeza científica da realidade dos mesmos. Mas tal ausência de provas não nos pode levar a, nem nos permite, negar a possibilidade teórica dos mesmos. Basta admitir a possibilidade de causas supra-empíricas (invisíveis, extra-sensoriais) para determinados fenómenos empíricos. Tal possibilidade não pode nunca contradizer os actuais postulados físicos.

É certo que a admissão de tal possibilidade não pode ser fortuita. No caso da Igreja, apoia-se em algo muito forte chamado Revelação. O Ludwig tem razão quando diz que o crente acredita por princípio. Esse princípio acabou de ser referido. A fé é um acto de confiança: não uma confiança no vazio mas sim no legado de Cristo e dos Apóstolos. Uma confiança na Santa Madre Igreja.

Por outro lado, a opção pística do Luwdig (é o que ela é), ao decidir-se pelo ateísmo, baseando-se, entre outras coisas, numa crença apriorística na impossibilidade de fenómenos que não são empiricamente reproduzíveis em laboratório, é então uma opção de princípio. O seu ateísmo é de princípio.

1 comentário:

Anónimo disse...

"O exemplo que demos, no qual Cristo anda sobre a superfície das águas sem se afundar, é do terceiro tipo"

A ciencia ja provou que Cristo andou foi sobre gelo. A informaçao está na net