sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

A última fronteira...

... para o sinistro, perdão, ministro Correia de Campos está no Código Deontológico dos Médicos, mais concretamente no artigo n.º 47 do mesmo, que considera e bem que a prática de aborto por parte de um médico é uma "falha grave". Faz todo o sentido. Qualquer aluno de Medicina sabe a razão pela qual está a estudar: para salvar e não para matar. Daí a "falha grave". Elementar...

Mas já falta pouco para a hegemonia do aborto, para a vitória da sanha anti-ética do nosso Ministro da Saúde, que ficará na história de Portugal como uma figura de triste memória.

Mais cedo ou mais tarde (eu apostaria mais tarde), quando os excessos anti-éticos se tornarem mais notórios (podemos vê-los já aqui ao lado, em Madrid, mas mais vale calar estas coisas para não melindrarem os amigos do aborto), quando o país arregalar os olhos e olhar de frente para a miséria do crime do aborto, pode ser que a Ética volte a ser o que era no nosso país.

Por enquanto, estamos bem longe disso: no que diz respeito a experiências pseudo-éticas no campo do aborto livre, Portugal ainda é jovem, ainda tem muito para testar e ensaiar em termos ideológicos. Só agora estamos a viver o nosso "Roe vs. Wade", trinta anos depois dos americanos, e caramba, temos direito a isso! Não é, senhor ministro?

Assim, Correia de Campos sabe bem que só falta uma coisa depois de enganada a opinião pública no último referendo. Convencer o português a votar "SIM" ao aborto foi fácil. Mesmo com imensa abstenção, a propaganda funcionou perfeitamente. Com enorme tranquilidade, a reboque de uma pretensa eliminação da penalização do aborto, ei-lo agora legalizado e liberalizado.

O aparato está montado. Numa boa. As mortes já são conduzidas nas melhores condições de higiene e de tranquilidade. Apoio psicológico, ar perfumado, luz ambiente suave, lençóis lavados, até existirá música "new age" relaxante. Matar já não custa. O Estado até subsidia a "cura" para este novo tipo de doença chamado "gravidez".

Mas ainda falta uma coisinha na mente maquiavélica de Correia de Campos: aqueles chatos dos médicos, que passam quase uma década a instruirem-se para salvar vidas humanas. E não é bem chato ter que convencer um profissional da saúde a matar pessoas em vez de as salvar? É complicada a argumentação. Aquela maçada da "objecção de consciência" não vem nada a calhar, sobretudo quando o Código Deontológico ainda insiste na "falha grave" do aborto...

Para alcançar o "paraíso abortivo Correia de Campos", há que transformar os médicos objectores numa minoria de fanáticos ultra-conservadores. E só há uma forma de o conseguir: mudar a ética. Mudar o Código.

O leitor mais atento interroga-se:

"mas faz sentido que a lei condicione a ética?"

Não, não faz.

"não deveria ser ao contrário?"

Pois deveria.
Há leis que não são éticas (como a actual lei do aborto). Como algumas leis raciais e eugénicas do Terceiro Reich, que eram leis "legais" (passe o pleonasmo) e nada éticas.
O que é ético, por sua vez, deve ser legal.
Já o que não é ético pode ou não ser ilegal, dependendo do contexto e da gravidade.

Um exemplo simples: mentir não é ético. Todos concordamos.
Se eu mentir num café, numa conversa de amigos, inflamando os meus dotes de pescador, isso não é ético, mas é perfeitamente legal.
Se eu mentir num Tribunal, continua a não ser ético, mas lá se vai o legal.

Mas o ético está lá, sempre a servir de referência. Mentir é feio. E o povo entende bem isto, porque é brutalmente simples. Não é preciso ter um curso de Filosofia ou de Ética Aplicada para entender que mentir é feio. Como matar é feio. Não é ético aquilo que não se deve fazer. Abortar é algo que não se deve fazer. Porque é matar. Não é ético. Ponto final.
Já ser legal ou não depende da lei, dos desvarios dos políticos, e da eficácia da sua propaganda ideológica junto das massas votantes.

O que Correia de Campos quer, e vai conseguir, é alterar o certo ou errado na deontologia médica graças à nova lei. Ou seja, a partir da vitória da sua lei iníqua abortiva, o senhor ministro quer transformar o errado (abortar) em certo. Porque mudar um Código Deontológico é, afinal, mexer no certo e no errado. Deturpar a ética dos médicos é a última fronteira para se estabelecer a hegemonia abortista de Correia de Campos.

Poderíamos discorrer sobre o "quero, posso e mando" do senhor ministro. Sobre o seu autoritarismo e prepotência.
Poderíamos interrogar-nos se tais impulsos ideológicos não serão manifestações tardias de alguns fantasmas gonçalvistas à solta no escuro armário da sua psique.

Mas a melhor interrogação é esta: que raio faz um ministro, um político, a tentar mexer no Código Deontológico de uma classe eminentemente técnica e competente com a dos médicos?

E não parece uma suprema estupidez querer mudar, por razões políticas, uma deontologia mais de duas vezes milenar, que remonta a Hipócrates, que já advogava que o médico não serve para matar mas sim para preservar o vivos?

De facto é uma suprema estupidez. Correia de Campos quer agora corrigir Hipócrates. Afinal, sinais dos tempos! É o progresso! O certo passa a errado e o errado passa a certo! Já não é o certo e o errado que definem aquilo que é legal ou não. Já não é a Lei que emana da Ética, mas sim a Ética que passa agora a ser escrava da Lei.

Enfim, o clássico caminho satânico da tirania e do mal puro, essa estrada que tantos políticos ainda insistem em trilhar, como flautistas a encaminhar uma imensa sociedade indiferente ou confusa em direcção ao abismo...

E para quem ainda deposita esperanças em Pedro Nunes, no actual bastonário da Ordem dos Médicos, é melhor não investir muito nelas. Infelizmente, Pedro Nunes, opondo-se a Correia de Campos, não está numa sólida posição ética: opõe-se à alteração do código deontológico, mas dá uma má razão, ao afirmar que os médicos não estão contra o aborto, apenas querem alguma liberdade de objecção de consciência. Ao usar este tipo de argumentação, Pedro Nunes não parte de uma posição eticamente sólida. Logo, vai ser derrotado. E, nas próximas eleições para a Ordem, já parte em desvantagem. É o único dos três candidatos que se opõe à alteração.

Os outros dois candidatos também faltaram às aulas de Ética: Miguel Leão, perante o choque entre o Código Deontológico e a Lei do Aborto já decidiu qual vai ter que ir à vida. O Código, claro:

"Face à questão jurídica, o código deontológico deve ser revisto porque vai ao arrepio da legislação. E eu estou à-vontade, porque votei `não` no referendo", declarou à agência Lusa o candidato às eleições de 12 de Dezembro Miguel Leão.
"Não quer dizer que a Ordem não possa ter recomendações éticas que sejam contrárias à legislação do país, mas defendo que há uma contradição que deve ser resolvida", considerou.


Ainda bem que Miguel Leão está "à vontade". No bom espírito relativista, Miguel Leão lavou as suas mãos ao votar "Não" e não tem qualquer preocupação com as chatices do "certo" e do "errado": isso de debater o certo ou errado do aborto só dá amargos de boca. Mais vale alterar o artigozito que chateia o ministro! Bravo...

Vejamos o outro candidato, Carlos Santos, que também não entende que a Ética vem antes da Lei:

Também o candidato Carlos Santos considera que "o código deontológico da Ordem dos Médicos tem de respeitar a legislação actual", ao mesmo tempo que defende que podem haver recomendações éticas "para o caso de os profissionais não quererem realizar determinada intervenção".


Este caso é mais chocante: Carlos Santos chegou à idade adulta, com formação universitária numa das áreas mais exigentes em termos intelectuais, sem que lhe explicassem que a Ética precede a Lei!

Com estes "opositores", Correia de Campos tem razões de sobra para sorrir...

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