quinta-feira, 8 de julho de 2010

Mais sobre a "papisa Joana"

(Foto: © Constantin Film)

Como todas as boas histórias de ficção, a lenda da "papisa Joana" sobrevive, hoje mais do que nunca graças a um generalizado ambiente anticatólico nos agentes mediáticos (jornais, televisões, cinema, etc.), conjugado com uma invencível ignorância (não direi que a perfídia é generalizada) desses mesmos agentes acerca da História da Igreja e de antigas polémicas, há muito refutadas, mas que teimam em vir à superfície.

Atrás, reproduzi o artigo de Elizabeth Lev, da Zenit.
E agora, trago mais alguma informação pertinente para este tema.

Numa altura em que os protestantes, na sua generalidade, regozijavam-se com toda a boa historieta que manchasse a reputação de Roma, dois protestantes de notável erudição levantaram as suas vozes contra esta farsa, David Blondel e Pierre Bayle.

O francês David Blondel (1591-1655), escreveu uma obra inteira, que fez polémica entre os adeptos da lenda, intitulada De Joanna Papissa (póstuma, Amsterdão, 1657).

Por sua vez, o francês Pierre Bayle (1647-1706), no tomo dezasseis do seu Dictionnaire historique et critique, na entrada "PAPESSE" (pág. 501), usa os termos "conte" e "fable" para se referir à lenda da "papisa Joana".

Se não bastavam dois pesos pesados da erudição protestante, insuspeitos de qualquer proselitismo papal, ainda se podiam ir buscar mais exemplos de rejeição desta lenda, mas fica sempre bem ir buscar uma citação de Edward Gibbon, esse zeloso crítico do cristianismo, que na sua obra The decline and fall of the Roman Empire (1776-1788), refere-se à historieta da "papisa" como "the fable of a female pope". Veja-se o que o britânico escreve nas nota 139 e 140 da página 818 (cap. XLIX):

«139. As false, it deserves that name; but I would not pronounce it incredible (...)»

Mas é claro, Gibbon! Porque razão se diria que a história não poderia ter acontecido? O que interessa, realmente, para quem gosta da verdade, é saber se a história aconteceu mesmo! Gibbon não tem dúvidas: "as false, it deserves that name". Vinda de alguém que não perde uma oportunidade para denegrir o cristianismo, esta frase é valiosa. Vejamos agora a nota 140:

«140. Till the Reformation, the tale was repeated and believed without offense; and Joan's female statue long occupied her place among the Popes in the cathedral of Sienna (Pagi, Critica, tom. iii., p. 624-626). She has been annihilated by two learned Protestants, Blondel and Bayle (Dictionnaire Critique, Papesse, Polonus, Blondel); but their brethen were scandalized by this equitable and generous criticism. Spanheim and Lenfant attempt to save this poor engine of controversy; and even Mosheim condescends to cherish some doubt and suspicion (p. 289).»

"Poor engine of controversy", é assim que Edward Gibbon intitula a historieta da "papisa Joana". Pena é que, tanto Donna Woofolk Cross, a autora do livro Pope Joan que alimenta o recente filme Die Päpstin (2009), como o guionista do dito filme, Heinrich Hadding, não estejam na posse destes conhecimentos básicos, e usem a literatura e a sétima arte como veículos de mentira e de propaganda. Espero que inconscientemente, e apenas por causa da sua ignorância histórica.

2 comentários:

João Silveira disse...

faz-me lembrar o lema do Inimigo Público: Se não aconteceu, podia ter acontecido.

Espectadores disse...

É um bocado isso, João!
Nestas coisas, pelo sim pelo não, a Igreja é sempre julgada não só por aquilo que realmente aconteceu, mas também por aquilo que poderia ter acontecido!

Patético, neste filme, é a falta de rigor dos cenários. A sumptuosidade palaciana não tem nada a ver com a sede do Papado no tempo em que esta historieta teria tido lugar.

Abraço!